Dans la chaise longue

- Deite-se, por favor!
(Nunca percebi muito bem o porquê de ter de me deitar para falar do passado. Alegam-me que meu corpo é uma via e que através da sua horizontalidade, perpassam os fluxos da regressão e das memórias. Tantas memórias que se tornam quase insuportáveis. Eu finjo que acredito nisso do ter de me deitar. A culpa é do Freud.)
- Pode começar.
(Hoje foi uma daquelas noites em que fui totalmente consumido pela insónia. A minha cabeça era um recipiente a transbordar de pensamentos desconexos, imensos pensamentos ao mesmo tempo à luta entre si, sem piedade. Sempre que isto acontece nunca chego a nenhuma conclusão, nem tão pouco a uma ideia brilhante. Constato apenas o caos que me habita e resigno-me à minha condição de eterno espectador da minha vida. Sei bem a génese de tudo isto. Desde que o perdi, desde que deixou de habitar o reino dos vivos. Tenho saudades daquelas nossas conversas interessantes, dos jogos de futebol que víamos em conjunto, das tardes a repassar toda a matéria de História e da 2ª Grande Guerra. Ela diz-me que tenho de “trabalhar interiormente” a tua perda. Tretas insanas. Por mais que tente encontrar um sentido, jamais terei sucesso nessa empreitada. É um caso perdido, é uma das grandes perguntas que nunca terão resposta, que nunca ninguém conseguiu responder, nem mesmo os grandes pensadores e filósofos. Dos Gregos até nós há uma constante de total ignorância acerca das questões fundamentais da condição humana. Ainda ninguém apagou essa inquietação primordial chamada morte. O mesmo se passa com as paixões meteóricas, daquelas que nos enchem a alma e que, de um dia para o outro, nos varrem por completo. Chegam e logo desaparecem. É outra espécie de morte. Essa pessoa desaparece, esfuma-se no ar, etérea e improvável. Talvez nunca tenha existido. E se um dia ela “ressuscitar”? Boa tarde, como estás? Que tens feito? Sim, já soube da novidade! Parabéns. Recuso-me a esse jogo hipócrita! É preferível olhar e seguir caminho. Afinal de contas, os mortos não se passeiam pelas ruas da cidade, segundo consta. Mas nunca me vou esquecer de ti. És sangue do meu sangue e há laços que nunca se quebram. Por mais que me tentem impingir aqueles discursos fatalistas do fim da família. Tretas. Vivemos num mundo de mentiras sucessivas…)
- Não gostaria de…?
- Não, hoje não há nada para dizer. Quero apenas ficar em silêncio. Dans la chaise longue

Comentários

Al Cardoso disse…
Alem de teres tao presente esse ser que tanto te marcou, nao te esquecas que sim podes, tens que puder, da vida tambem faz parte a morte.

Um abraco forno-algodrense
Anónimo disse…
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