Nem só as rosas têm espinhos

Mais um ano se assinalou sobre o 25 de Abril e sobre a instauração da liberdade e do regime democrático em Portugal, após a eternidade de ditadura e de opressão.
Já muita tinta correu sobre o 25 de Abril, mas não poderia deixar de tecer algumas considerações a este respeito.
A cada ano que passa se reforça a crença do afastamento dos cidadãos em relação à política, demitindo-se permanentemente dos seus deveres de cidadania. Como não poderia deixar de ser, o Presidente da República, no seu discurso deste ano aludiu, em concreto, à flagrante ignorância dos jovens nesta matéria. O estudo da Universidade Católica, encomendado pelo PR, poderá ser consultado neste link.
O 25 de Abril converteu-se assim em mais um feriado cujo significado passa despercebido aos jovens (e não só), uma espécie de longínquo 01 de Dezembro de 1640, que também ninguém conhece.
No entanto, a grande quota parte da culpa tem de se imputar à classe política e, sobretudo, aos partidos que desde 1974 governaram o país. Há um divórcio claro entre governantes e governados, sendo que estes últimos já desacreditaram a possibilidade de algum dia Portugal vir a ser liderado por classes políticas capazes, idóneas, com espírito de missão e, acima de tudo, com horizontes abrangentes e com audácia, que operem as reformas necessárias e estruturais de que o país tanto necessita. E não por uma sucessão de políticos que colocam, sistematicamente, os interesses pessoais à frente dos interesses de Estado.
Nos domínios vitais, ou seja, Saúde, Educação, Economia, Finanças, Segurança-Social, o país está completamente dilacerado e não se perspectivam cenários de mudança profunda, nem tão pouco se vislumbram dirigentes de grande estirpe moral e intelectual que façam essa mesma mudança de fundo. Aqui, tal como nos EUA, o mote deveria ser mesmo "to change", como se pode ler na campanha de Barak Obama.
Outro ponto muito preocupante prende-se com o facto de o exercício da democracia se ter resumido ao ritual do voto. Não nos pedem o nosso parecer sobre o Tratado de Lisboa, com medo de que a "populaça" acabasse por chumbá-lo. Este fenómeno, infelizmente, é extensível aos restantes países europeus que optaram por ratificar um Tratado à margem dos próprios cidadãos que os elegeram. É um exemplo tristemente eloquente que diz muito da alegada democracia em que vivemos.
Terá sido por esta noção de liberdade e por esta democracia por que tantas e tantas pessoas se bateram, sujeitando-se às maiores torturas físicas e psicológicas e chegando mesmo a pagar para tal com a vida?
A educação para a liberdade e para a democracia deveria começar na escola. No meu tempo de liceu, nem o Estado Novo, nem o 25 de Abril eram leccionados, com a clássica desculpa de que essa matéria "já não calhava no exame final". Se os formadores insistissem mais neste ponto, talvez o tom do discurso mudasse e nos pudéssemos congratular com os frutos dessa revolução pacífica que destronou a opressão e deu voz a todos, sem excepção.
34 anos volvidos sobre o 25 de Abril e já ninguém se lembra?!Um país sem memória não terá certamente um futuro risonho pela frente...

Comentários

Anónimo disse…
Se pensarmos não houve uma ruptura nem no pensamento ou no poder - saiu de cena a figura do ditador, mas os governantes que se lhes seguiu não deram o salto (uns por incapacidade outros por falta de vontade). Lembras-te da revolução dos universitários de 60 na Alemanha? É isso que nos falta: a mudança do paradgima.
Dalaiama disse…
Aprecio as suas reflexões sobre esta data histórica do 25 de Abril, Ana.
Concordo muito que a democracia não se pode resumir ao dia cíclico da eleição, a partir do qual nós cidadãos deixamos de ter uma opinião relevante para o rumo das políticas seguidas; querem fazer de nós seres descartáveis.
Já ouviu falar em orçamento participativo? Segundo sei trata-se de uma experiência iniciada no Brasil, em Porto Alegre, e que já foi defendida em Portugal, creio que pelo Bloco de Esquerda. Consiste na eleição não apenas de políticos, mas também na votação anual dos orçamentos que condicionarão as políticas seguidas por quem é eleito. Assim, se se aprova 20% para cultura e educação o investimento tem mesmo de seguir aquela determinação. Os políticos eleitos são meros executores da vontade popular.
Enfim, o mundo é complexo, e eu infelizmente não tenho soluções prontas para ele...
Um abraço.
Ana, subscrevo completamente o artigo. 30 anos depois ainda falta construir Portugal.

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