Multi-funções


Será que vou chegar a tempo? Já não falta tudo, já não falta tudo. Esta crise estende os seus tentáculos demolidores sem dó nem piedade. É uma forma poética de lidar com a dura realidade dos números que é sempre enfadonha. Chegou um sms. Quem será? Ainda é cedo para ser o Sr. K., a debitar tarefas urgentíssimas, mais urgentes do que o próprio acto de respirar. É indiferente se aparecer completamente extenuada, em dolorosa antecipação do stress quotidiano que se adivinha. Ai, o Euromilhões. E eu nem sou nada excêntrica, bastava-me um quíntuplo apenas daquele número extenso. Estou a adorar aquele livro. Os autores africanos falam-nos ao coração, através das suas palavras melodiosas ecoa uma música ancestral, um mistério insondável que se perpetua pelo Tempo e nos afaga com ternura. Esqueci-me de ir levantar as botas que estavam a compor pela milésima vez. Lembrete. Deve ser da idade. Qualquer dia coloco um lembrete para não me esquecer de colocar lembretes. Não vá o diabo tecê-las! Um mafarrico qualquer. Outro sms? Estou quase a acabar o ritual da pintura matinal, como se pertencesse a uma tribo qualquer e tivesse de participar numa qualquer dança em que seria um completo desastre e a manifesta vergonha da tribo. Acabaria expulsa. Tantas coisas para digerir logo de manhã. Um beijo fugidio. Este frio inviabiliza qualquer tipo de raciocínio lógico. Apresso o passo e lembro-me do lembrete que ainda não coloquei. Aproveito e faço as compras para a noite. Não consigo lidar com os imponderáveis. Serei finlandesa e não o saberei? Não, a cor dos olhos não engana ninguém. Pertenço a uma estranha tribo, de facto. Desculpe, Sr. K. não consegui chegar mais cedo. Este frio, sabe? Sim, o fax. Não sei se teve oportunidade de verificar, mas já o enviei ontem. (Ah, sabe bem usar a luva branca de vez em quando!) E a crise, tema inevitável de conversa que veio substituir o do tempo. Pelo menos agora todos parecemos grandes intelectuais ou potenciais Nobel da Economia a dissertar sobre fenómenos cuja amplitude nem sequer percebemos, mas enfim, vale pelo diálogo, ainda que de surdos. Mais um sms, desta vez sou eu que envio, para me redimir de um beijo fugidio que se queria eterno.

Comentários

Rocha, André disse…
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Cumprimentos.
Dalaiama disse…
Escreves sempre muito bem Ana! Muito pouca gente o consegue. Na minha opinião, para isso não basta ter estudos ou cultura, é preciso um algo invisível a mais... Que continues a fazer bom proveito do teu dom em 2009!
Felicidades!
Taiyo Jean Omura disse…
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multi-paixões
ultimato das palavras:
a hora é agora

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