Muito barulho por nada

Já todos sabemos que subjaz ao discurso político das classes governantes uma profunda aura moralizante. Com a entrada da troika em Portugal, os governantes logo se apressaram a rotular os sacrifícios de necessárias punições, num país que, levianamente, vivia "acima das suas possibilidades" e que se deixou deslumbrar pelo admirável mundo novo do crédito fácil. Ou seja, o país iria percorrer uma árdua via sacra e, de sacrifício em sacrifício, iria alcançar uma espécie de salvação final.

Eis senão quando, a troika começa a acenar com o seu impoluto lenço branco e agora o discurso político vigente já se virou para uma espécie de restauração da independência e da soberania, libertando-se, heroicamente, do jugo opressor da "troika" que, de uma forma bem esquizofrénica, ora é solução, ora é problema, ora é altruísta, ora é usurária.

É muito interessante analisar as nuances que a retórica política tem assumido ao longo destes três anos. De intervenção passou a ajuda e de ajuda a ajustamento. E assim se molda a semântica, ao sabor dos acontecimentos e, sobretudo, dos interesses políticos que sejam mais prementes no momento. E como agora estamos perto das eleições europeias, já se começam a soltar patéticos foguetes de contentamento.

Mas também sabemos que nada do que parece é realmente. Esta "ajuda" implica um preço elevadíssimo a pagar e haverá muitos que lucram com tal acto de generosidade. Como se costuma dizer, "não há almoços grátis" e a completa ambiguidade de critérios tem sido uma constante. Por que motivo houve uma intervenção efectiva em Portugal e na Grécia e não houve em Espanha, conhecida que era a gravíssima crise em que o nosso país irmão estava mergulhado? Quem são os grandes e reais beneficiários de todo este processo? A verdade nua e crua é bem mais dolorosa do que à partida parece.

O mais importante, do meu ponto de vista, é colocar a seguinte questão: volvidos 3 árduos anos, como está Portugal? Não vejo qual o motivo de tamanha euforia, nem tão pouco qualquer razão para comemorar. Estamos mais pobres; o nosso poder de compra diminuiu brutalmente; os nossos salários são cada vez mais magros; pende sobre nós uma carga fiscal sem precedentes; o Estado social ameaça converter-se numa miragem; o desemprego não pára de crescer; a pobreza aumenta de forma verdadeiramente assustadora; os reformados vêem as suas pensões cada vez mais reduzidas; trabalhamos mais e ganhamos muito menos; a exploração laboral é a nota dominante e os jovens qualificados fazem as malas, rumo a um futuro mais solar.

No dia 17 de Maio, continuaremos em crise. E tão distantes desse país remoto chamado esperança...

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