Será a normalidade normal?

A questão do ser ou não normal sempre me fascinou. O conceito de normal aplica-se a uma infinidade de situações: a família normal, a vida normal, uma atitude normal, uma relação normal, um comportamento normal, etc., etc. No fundo, a suposta normalidade concentra em si o seu quê de ditatorial. Se nos incluirmos no círculo dos ditos “normais” e se adoptarmos essa mesma postura, normal, ditada pela sociedade, ao longo da vida, estamos sempre imunes a toda e qualquer hecatombe que sobre nós se abata.
Em teoria, parece uma equação de simples resolução, mas é só mesmo nesse plano. A realidade é bem diferente, porque plural e multifacetada. Porque nem sempre 1 + 1 = 2.
Comecemos pela questão da família. O normal é, de facto, que uma família, strictu sensu, seja constituída pelo núcleo pai, mãe e filhos. Todos os cenários que não integrem estes elementos estão desesperadamente votados ao inevitável sentimento de estranheza por parte do observador externo. Como é possível que haja famílias em que o pai é um tio ou um avô? Em que se desfaz por completo a célebre (e igualmente questionável) tese dos “laços de sangue” (não resisto a uma gargalhada, perdoem-me!), vencendo, por sua vez, a tese dos laços de afecto, esses sim verdadeiramente determinantes para o são desenvolvimento do indivíduo. O papel paternal não se confina apenas ao encontro feliz de um espermatozóide com um óvulo, extravasando a mera biologia e assumindo-se como uma ocupação a tempo inteiro que exige um empenho e uma entrega permanentes.
Creio que as pessoas que nascem no seio de famílias “alternativas”, que escapam por completo ao modelo convencional, cedo desenvolvem um agudo sentido de identidade. A consciência de pertencerem a um universo diferente, que se faz de outras tonalidades e de outros protagonistas, desperta nelas (por vezes, muito precocemente) a urgência da acção, a par de um apurado sentido de sobrevivência. Porque é muito difícil (sobre)viver numa sociedade que se arvora em acérrima guardiã da bendita normalidade!
O que será uma vida normal? Provavelmente, uma vida previsível, completamente dominada pelo peso asfixiante rotina, em que acordamos às oito, vamos para o trabalho (que começa às nove), almoçamos da uma às duas, vamos novamente para o trabalho (até horário a anunciar), regressamos a casa, vemos as banalidades que nos impingem na televisão e as notícias alarmistas, jantamos e vamos para a cama. E no dia seguinte, tudo se repete. Somos Sísifo a carregar todos os dias o seu rochedo até ao cume da montanha. O único momento de libertação é mesmo esse, aquele em que atinge o cimo da montanha, apesar de saber que vai ter de fazer o percurso inverso. Invariavelmente. O nosso único momento de libertação é, eventualmente, ao fim-de-semana ou nas férias. Sabemos que tudo recomeçará.
Não será a vida de um actor, de um artista, de um escritor muito mais "normal"? Porque livre.
Quem serão, afinal, os normais?

Comentários

Rita Nery disse…
Felizmente para mim não há normalidade, há sim pessoas com os seus gostos, defeitos e virtudes, mas acima de tuddo com os seus vícios, são na maioria das vezes estes que nos controlam.
A normalidade é sinónimo de anormalidade e ainda bem!
Gostei do texto, mas fiquei fascinada com a foto, arrepia-me só de olhar!
É linda...Adoro estas fotos. Fotos que recordam e asseguram o momento para todo o sempre, quando no fundo estamos a olhar para pessoas mortas. E isto não é nenhum lado meu obscuro, mórbido...É gostar de pensar que um dia aquelas pessoas prepararam-se para aqueles escassos minutos...que tiveram uma vida e deixaram algo para a posteridade.
Beijinhos
Anónimo disse…
Em minha opinião, normais, somos todos os que respeitamos o nosso semelhante e não caímos na anormalidade da má educação, da indelicadeza, da hipocrisia.
O limite da normalidade termina quando deixo de respeitar não só os outros como, até, a mim mesmo.
E não me iludo, por vezes, reconheço iso acontece, penso que não há pessoas perfeitas a 100%.
Anónimo disse…
Analisemos a seguinte situação: vai a Maria pela rua e tropeça num senhor negro. Como seria de esperar, ela pede desculpas e segue. É a reacção normal, não é? DEPENDE. Em Portugal seria, mas:
- na África do Sul, o normal seria fazer uma entrada por trás a pés juntos seguida de um apredejamento colectivo!
- na Madeira (que não é Portugal), o normal seria não pedir desculpas e dizer que pertencia ao governo do PS!
- na Cova da Moura (que tb não é Portugal) o normal seria amaldiçoar a nossa sorte e correr o mais depressa possível!
- no Brasil, seria ele a fazer-nos uma rasteira e a tirar-nos a carteira e o relógio!

Conclusão: é uma pequena fronteira entre "a normalidade" e a "anormalidade".....
Al Cardoso disse…
O problema real e quando as sociedades defendendo as normalidades, comecam com intolerancias que degeneram em totalitarismos.
Vivam as diferencas e as anormalidades normais, pois desde que nao afetam directamente a sociedade, tem toda a legitimidade para coexistirem com os ditos normais.

Um abraco fornense.
Vica disse…
Já tem um a avacalhar com o Brasil... quanto preconceito!
Quanto ao teu post, acho que é muito difícil definir normalidade, por isso, mais difícil ainda, definir QUEM é normal.
Anónimo disse…
Enjoyed a lot! » »

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