Será a Justiça justa?

Hoje à noite assisti à peça Os Justos de Albert Camus pela Companhia Mala Voadora no Teatro Viriato.
Em linhas gerais, a peça trata da temática do terrorismo e do triunfo dos grandes ideais em nome da revolução socialista. É, sem sombra de dúvida, um tema de uma actualidade tremenda. Camus escreveu esta que foi a sua última peça em 1949, mas nunca como hoje o terrorismo tão na ordem do dia. Serão todos os meios justificáveis para atingir "o" fim? Existirá mesmo esse estádio último?
A acção desenrola-se na Moscovo czarista do início do séc.XX em que uma célula terrorista planeia um atentado contra o Grão-Duque, iluminados pela crença na libertação do povo russo e no culminar da tirania e do despotismo. O caminho para a liberdade faz-se com a morte, com o ritual sacrificial de todos os que acreditam na revolução socialista, com um fervor verdadeiramente religioso.
Há o idealista que não abdica da Poesia e da Beleza, mas que se prontifica a cometer o atentado contra o Grão-Duque, pela revolução e pela Humanidade. Há o revoltado que desistiu do lirismo, canalizando o seu ódio profundo e visceral contra tudo e contra todos. Há o líder (im)perturbável e firme nos seus propósitos e uma mulher que, apesar de se dedicar ao ideal da revolução, anseia por levar uma vida despreocupada e ser amada e egoísta, sem ter de pensar em toda a Humanidade. Apreciar a beleza de um dia de sol, deixar-se percorrer por uma imensa ternura, longe da brutalidade da vida real.
De costas voltadas para o mundo, num ambiente escuro de luzes ténues e tímidas, um grupo de "justos" congemina o atentado e, com este, almejam libertar o oprimido povo russo. Porém, todas as crenças são sempre assombradas pela dúvida. Será mesmo a justiça, a todo o custo, justa?
Não podia deixar de mencionar alguns apontamentos cénicos dignos de registo. O público e os actores partilham o palco, há momentos em que os actores lêem literalmente as falas e outros em que se despem dos personagens e conversam, na sua própria pele, as últimas falas são projectadas em acetatos, em silêncio...
As palavras de Camus são belíssimas, cruas e poéticas, ao mesmo tempo. Um autor que nos impressiona pelo poder de impregnar de beleza as verdades mais brutais da existência. Foi ele que trouxe Sísifo à superfície, aquele que carrega o rochedo até à montanha e, de novo, para baixo, num eterno e inevitável percurso absurdo. Nós somos Sísifo, o homem absurdo, e todos os dias carregamos esse rochedo. Podemos, por vezes, não sentir-lhe o peso, ignorando-o até, mas isso não significa que ele não exista.

"É mais fácil morrer pelos dilemas do que viver com eles."Albert Camus, Os Justos

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