“Foi bonita a festa, pá”


Recorrendo a uma imagem do próprio, Chico Buarque também “abusa de ser tão maravilhoso.” O concerto de ontem à noite foi, sem sombra de dúvida, um momento mágico em que a poesia andou à solta e se derramou docemente sobre todos aqueles que partilharam esta experiência arrebatadora.
Lobo Antunes afirma que o livro ideal seria aquele com o qual todas as pessoas se identificassem, acreditando incondicionalmente que este havia sido escrito para elas, numa relação de partilha total. Com a música de Chico Buarque, sucede o mesmo. Creio que qualquer pessoa que ame a sua poesia e os seus acordes inconfundíveis está convicta de que estes se dirigem única e exclusivamente a si, encaixando na perfeição nos contornos multifacetados das suas vidas múltiplas.
Mal a tela caiu e o artista despontou no palco de um Coliseu esgotado, ouviu-se um coro de aplausos imenso que cessou apenas alguns minutos depois. Ando à procura de um adjectivo que defina com precisão o espectáculo de Chico Buarque e, de entre as inúmeras possibilidades que se apresentam, “comovente” será o que melhor cumpre essa função. Foi uma comoção constante a cada música que irrompia pela sala do Coliseu, lágrimas que despontavam por pura alegria.
Afinal de contas, o prazer é que nos leva. Na vida, temos duas vias possíveis: a do conformismo ou a da resistência. Podemos optar pela primeira e, nesse cenário cinzento, a vida não passará de uma sucessão de dias iguais, de tonalidade única, sem nada que os distinga particularmente. Se optarmos pela segunda, tentaremos sempre fazer coisas diferentes, negando a rotina que nos sufoca sem cessar, na demanda de momentos únicos, irrepetíveis. Como aquele que vivi ontem à noite no Coliseu do Porto.
Todas as pessoas saíram com um sorriso nos lábios, acreditando, de certeza, que a vida pode ser sempre melhor e que, no profícuo universo artístico de Chico Buarque, há um país em que “ é obrigatório ser feliz” (música “João e Maria”).

Os músicos que acompanhavam Chico Buarque são imbuídos da mesma centelha de genialidade, absolutamente irrepreensíveis.

Comentários

Rita Nery disse…
É bom sabermos que ainda há pessoas que nos tocam, que nos têm algo a dizer, com as quais nos sentimos em "casa", porque no fundo falamos a mesma linguagem. São raras, mas quando nos depearamos com elas, não existem no mundo adjectivos possíveis para descrever os nossos sentimentos.
E viva à via da resistência!!
Beijinhos:)
Vica disse…
Espero um dia ver o Chico ao vivo, também. Que bom que gostaste. Beijos.

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