"Natalizando"

O Natal assenta numa profunda ironia (e daí ser uma época potencialmente interessante): trata-se de uma quadra festiva que não admite outro sentimento que não o da absoluta felicidade. No entanto, a realidade é bem diferente deste quadro idílico e pinta-se de outras tonalidades, bem mais cinzentas. Nesta altura do ano, há uma multidão de pessoas que acorre a psiquiatras, psicólogos e terapeutas para tentar encontrar a chave para uma questão profundamente complexa: como estar sempre feliz? A ditadura da harmonia baseia-se, afinal, numa profunda crueldade, pois todos nós bem sabemos que o Natal nunca é quando um homem/mulher (expressão algo sexista!) quer e que não passa, no fundo, de uma sucessão de boas intenções.
Por ser Natal, não acaba o analfabetismo ou a miséria. Por ser Natal, não cessa o conflito no Médio Oriente, nem o recrudescimento dos fanatismos religiosos e do terrorismo. Por ser Natal, não se assiste à erradicação da pobreza no mundo, nem à resolução das graves crises que assolam o planeta. Por ser Natal, Bagdade não se torna subitamente um local aprazível e pacífico. E por daí em diante, numa espiral infindável.
Creio que quando começamos a perder as pessoas que nos são muito queridas, esta época vai perdendo gradualmente o seu significado. Sente-se com mais veemência o peso dos anos e da saudade que fica em nós e se crava com mais e mais intensidade, sempre implacável, sempre dolorosa.
Mas é bom olhar para o sorriso aberto das crianças quando desembrulham os presentes de Natal e irradiam felicidade, essa, sim, sincera e sentida. “O melhor do mundo são (mesmo) as crianças”, como dizia o poeta.
Assim como é muito agradável vislumbrar as iluminações natalícias que tomam as ruas e as praças, numa teia de luz que nos enleia docemente.
A grande solução para viver o Natal com o mínimo de sanidade passa por não ceder ao consumismo desenfreado que nos impõem (conheço pessoas que nem sequer prendas trocam, o que, de facto, é extremamente revolucionário!) e, mais importante ainda, passa por ter a lucidez para ver que não se pode estar incessantemente feliz, como se de uma obrigação se tratasse. A magia do Natal reside na veracidade dos gestos e dos afectos e quem melhor que as crianças para nos encaminharem por esse trilho que insistimos em contornar?...

Comentários

Vica disse…
É, o Natal não muda tudo, mas é uma época para pensarmos nas coisas que realmente importam, sentirmos falta daqueles que não estão mais conosco e ficarmos felizes ao vermos os sorrisos das crianças. Beijos.
Al Cardoso disse…
Como dizia o poeta "....Natal e quando um homem (genero humano) quizer...."

Um abraco natalicio.
JL disse…
Venho deixar o desejo que o Natal deste ano seja, o mais possível, o reflexo dos valores do Presépio de há dois mil anos. João Lopes

Feliz Natal amiga. Até um dia destes!
Vica disse…
Oi, Ana! Um ótimo Natal pra ti, e que 2007 seja um ano maravilhoso!

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