O homo philosophicus


Eu não acredito em estereótipos, mas que os há, há. Na semana passada, li uma entrevista muito interessante a um dos meus autores favoritos de literatura de expressão portuguesa, José Eduardo Agualusa, a propósito do lançamento da sua nova obra: “As mulheres de meu pai” (cujo apetecível título convida logo a mergulhar em universos plurais e culturalmente electrizantes). Este livro será depois convertido ao cinema, a propos.
Nessa mesma entrevista, o autor referia um aspecto (que embora possa parecer de somenos) me levou a escrever este texto: o facto de nunca ter sido um atleta ou, já não indo tão longe, de não ter a mínima propensão para as lides desportivas, contrariando, assim, a veia olímpica da família.
Os Gregos proclamavam alto e a bom som as vantagens da “mente sã em corpo são”, é um facto, mas devo dizer que eu, fiel partidária do cultivo da mente, nunca fui propriamente um ás na parte do exercício do corpo. Isto mesmo para não dizer que era um desastre completo nas aulas de Educação Física e que só não tinha negativa a esta disciplina, porque tinha boas notas em tudo o resto e que, desta forma, me redimia da minha falta de jeito para o assunto.
Haverá, assim, um denominador comum a todas as pessoas de Letras? Partindo do óbvio desinteresse ou falta de jeito para o exercício físico, tentei encontrar outros pontos de convergência que poderão unir esta grande massa de gente, que se mune das pernas para caminhar e, quanto muito, para correr timidamente, sem se aventurar em grandes exibições de destreza física.
Todos os estereótipos são contestáveis (e condenáveis) à partida, mas, ainda assim, poderei aventurar-me a enumerar algumas características que distinguem esta nobre prole das Letras (este será um estereótipo completamente inofensivo):

- uma tendência para descrever as questões mais corriqueiras da forma mais eloquente possível (não é snobismo, é mesmo incapacidade de recorrer ao léxico mais trivial);
- uma aversão a tudo o que tenha a ver com bancos, certificados de aforro, prestações, taxas de juro e afins, que, simplesmente, não se encaixam numa concepção e leitura do mundo que se quer poética e despojada de quaisquer algarismos;
- a procura incessante do adjectivo certo e quase sempre o mais erudito (mais uma vez repito, não é sobranceria, mas sim o facto de se falar uma outra língua);
- uma total indiferença perante os temas vazios que dominam as conversas de café do quotidiano
- a convicção de que uma casa cheia de livros é bem mais interessante do que qualquer topo de gama da marca x (que nem sequer se distinguem - a total ignorância em relação ao mundo automóvel é outra característica!)
- uma ironia corrosiva que, por vezes, pode ser muito contundente e até mal interpretada, mas sempre necessária

É um pouco como no filme de Woody Allen “As faces de Harry”, em que um dos personagens aparece desfocado e, desde logo, demarcado dos demais. A família só o conseguiu ver quando colocou as lentes adequadas. No fundo, as gentes das Letras só esperam que o mundo os veja com a graduação certa. E sem alimentarem qualquer esperança de um dia virem a ganhar a medalha de ouro em Atletismo!

Comentários

Anónimo disse…
A dança das tuas palavras faz girar as mentes mais apaticas...a ginastica inconsciente de saber pensar é já por si um bom exercicio...
Anónimo disse…
Boa noite
Antes de mais os meus sinceros parabéns pelos temas abordados e pelo modo como os abordas-te.
Desculpa a intrumissão desta forma mas.....era apenas para deixar o meu contacto email caso queiras e estejas disposta a aturar as conversas dum jovem amante mas pouco sabido da leitura...
bruno_cabrral@hotmail.com

Ao dispor
Al Cardoso disse…
Ja dizia um meu amigo, mas creio que estava a copiar alguem mais famoso que: "nem tudo e branco nem preto, e sempre da cor dos oculos atravez dois quais vemos!"

Um abraco amigo d'Algodres.
Anónimo disse…
Hallo Mari,

No meio do meu estudo de EC State Aid, lemb de ti..do pechisbeque..Vamos la ver como ele anda?!
Começo a ler os teus textos e desato-me a rir,n sei se porque sou prova viva de que n tinhamos jeitinho nenhum para educação física (tu menos do que eu,admitamos), que tu e os bancos, as contas,o fisco,o Estado sao inimigos públicos, que...n vives sem o mundo das Letras (ainda me lembro de comprares o jornal das Letras, que lias religiosamente), enfim...que ha amizades q sao intemporais.
Sentada na cama do meu quarto, rodeada de livros, de dossiers, de resumos, de chuva (sim, o tempo em Londres ainda é o que era, mm em Agosto!) fico contente por saber que continuas aí, com esse (eterno) espírito crítico (carinhosamente)inabalável e (amiúde) acutilante!
É bom saber que há "coisas" que nunca mudam!
Um beij cheio de saudades, maf

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