Onde há fumo...

Deixava os cabelos repousar, serenos, nas costas e balançava a cadeira, para trás e para a frente, para trás e para a frente, num movimento que tinha tanto de monótono, como de reconfortante, numa doce languidez. Depois de ter folheado (demasiados) livros, decidira-se, por fim, por um de título apelativo, que se adequava (aparentemente) aos matizes da sua própria vida. Parecia que os livros saltavam das estantes e ganhavam vida, dançando freneticamente perante o seu olhar curioso, e reclamando atenção e quiçá um pouco de ternura. Dominara o caos interior e resolvera pôr cobro a uma indecisão crónica. Não poderia jamais ler todos os livros do mundo. A escolha recaía agora sobre este e ponto final.
Parágrafo.
Sempre se riu das pessoas que sentenciavam com altivez o carácter definitivo das coisas, afirmando: "ponto final, parágrafo", como se os enredos da existência pudessem ser assim tão simples e sintéticos, passíveis de serem definidos pelas nossas imposições ou caprichos. Talvez por olhar para o mundo através da fina lente da ironia, nunca se levou muito a sério, tendo por certas apenas as incertezas. E os afectos.
A lenha crepitava e libertava uma magia indizível, uma melodia única que ecoava para além dos sonhos e se prolongavam indefinidamente...
Como um navio que navegava à volta do mundo, por oceanos intrépidos e agitados, por mares de tormentas infinitas, mas que acabava sempre por chegar a bom porto, assim se sentia ela, ao observar, como que hipnotizada, o lento esmorecer da lenha que se deixava consumir pelo fogo, numa perigosa dança de sedução.
Naqueles instantes de pura magia, de insondável mistério, o tempo parecia uma dimensão longínqua, a realidade parara, sentindo apenas o aconchego dos caracteres que, aos poucos, formavam palavras, frases, parágrafos, em estonteantes linhas de sentido que a deixavam sem fôlego. Atracara em bom porto.
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Beijinhos